entre histórias #spfwN59: Handred
Alfaiataria descomplicada, conforto e identidade brasileira.
Enquanto a moda masculina tradicional ainda se apoiava em tecidos sintéticos e cortes rígidos, a Handred (apelido familiar de infância de André) surgiu para romper com esses padrões. Fundada em 2012 pelo canceriano André Namitala, a marca carioca nasceu com uma proposta clara: criar roupas que respeitassem o clima brasileiro sem abrir mão da sofisticação, especialmente para os homens, que muitas vezes precisavam enfrentar o calor do Rio de Janeiro vestindo ternos de poliamida e camisas de algodão grosso. Com modelagens amplas, tecidos naturais e uma abordagem atemporal, a Handred consolidou um estilo que une funcionalidade e elegância.
Seu DNA passeia por influências do modernismo, da arquitetura e da arte, resultando em peças fluidas que desafiam convenções. A marca se destaca especialmente pelo uso da seda na alfaiataria, um material historicamente associado ao guarda-roupa feminino. Desde o início, a Handred vem questionando as divisões de gênero na moda, criando um portfólio onde todas as peças podem ser usadas por qualquer pessoa.



A trajetória e a consolidação da marca
Antes de se dedicar à moda, André Namitala começou sua carreira no direito, mas logo percebeu que sua vocação estava em outro lugar. Aos 19 anos, abandonou o curso para estudar design de moda, determinado a construir algo que fizesse sentido dentro da sua visão de estilo.
Seu interesse sempre esteve na alfaiataria desconstruída, que combinasse elegância e conforto, sem a rigidez tradicional do segmento. Foi com essa proposta que a Handred ganhou notoriedade, especialmente ao integrar o projeto Novos Talentos do Veste Rio, iniciativa da Vogue Brasil e do caderno Ela.
Em 2018, a marca fez sua estreia na São Paulo Fashion Week, evento do qual participa até hoje. O crescimento foi sólido e consistente: hoje, a Handred conta com quatro lojas físicas – Ipanema e Centro Histórico do Rio de Janeiro, Jardins e Iguatemi São Paulo – além de uma presença digital fortalecida.
A expansão da marca sempre foi pautada pelo controle sobre a produção. Com um ateliê próprio no Rio de Janeiro e um time especializado de costureiras, André Namitala acompanha de perto todo o processo criativo e produtivo. Essa estrutura permitiu que a Handred construísse um posicionamento firme no mercado, sem precisar recorrer a produções em larga escala.
Como homem gay, André enxerga na marca a sua vingança e a resposta a todo bullying que passou, aos traumas, às vezes que foi reprimido, admitindo ter a sorte de responder a isso com criatividade. “A delícia de ter a liberdade de ser sensível”.



Estética e filosofia: o luxo do essencial
A Handred se apoia em um conceito de moda atemporal e descomplicada. Suas peças priorizam cortes fluidos, cores neutras e materiais naturais, traduzindo um estilo que o próprio André define como "peças com cara de férias" – leves, sofisticadas e funcionais.
A influência do modernismo e da arquitetura tropical aparece tanto no design das roupas quanto na identidade visual da marca.
Acho que a estética da Handred passa uma cultura, sabe? Cultura de conforto, uma roupa que qualquer pessoa pode usar. É uma tela em branco à personalidade da pessoa, ao mesmo tempo é uma roupa que é facilmente identificada como Handred.
A religiosidade e a diversidade cultural da Bahia são referências centrais para André Namitala. “A Bahia sintetiza tudo o que eu e a Handred somos”, afirma em entrevista para a GQ. Para ele, o estado preserva uma conexão única com suas raízes, onde o passado ainda se faz presente. Essa mistura de influências se reflete nas coleções da marca, que dialogam com diferentes lugares a cada temporada. “Minha marca é uma fusão de Rio, Bahia e Marrakesh”, define.
Outro diferencial da Handred é a ausência de divisão de gênero nas coleções. As peças são pensadas para qualquer pessoa, sem etiquetas que delimitem "masculino" ou "feminino". A marca foi uma das pioneiras no Brasil a incorporar a seda e a transparência ao guarda-roupa masculino, desafiando normas de vestuário e propondo novas possibilidades.




Além disso, a Handred rejeita o ritmo acelerado da indústria da moda. Em vez de coleções sazonais impulsionadas pelo imediatismo do mercado, a marca aposta na longevidade das peças e na construção de um estilo que resiste ao tempo.
Entre os best-sellers da marca estão os shorts masculinos curtos: "Os homens no começo não queriam usar um short curtinho, e hoje é o produto que eu mais vendo na loja. A sociedade também se acostuma, se você dá uma possibilidade, as pessoas vão querer se arriscar", diz.
Nota da editora:
Uma curiosidade bem legal sobre a marca é que no site, em cada coleção, há uma explicação sobre o conceito e detalhes.
Para mim, demonstra uma preocupação em mostrar a profundidade e embasamento por trás de cada lançamento, reforçando a moda com o viés artístico e também atemporal tão citado por André.
Minha roupa não é “it”, do momento, tendenciosa. Ela é discreta, ao seu modo, mas possui códigos muito bem definidos. Tem uma profundidade.
- André para o FFW.
Responsabilidade e exclusividade
Se a Handred desafia normas estéticas, também questiona a lógica do consumo desenfreado. A marca tem um compromisso com a sustentabilidade, apostando 100% no uso de fibras naturais.
Há um resgate estético e de qualidade, de 20 a 90 anos. Da memória afetiva do linho que a avó usava; também muita gente mais velha que chega com saudade da época da Maria Bonita, do Georges Henri — acho isso um luxo. E a galera mais contemporânea, que não quer uma roupa com label, pessoas mais discretas, que a personalidade fala mais alto.
O projeto "Reconstrução" exemplifica essa abordagem ao reutilizar tecidos de coleções passadas para criar novas peças, reduzindo o desperdício e promovendo um ciclo de produção mais consciente.
Inclusive, as tiras laterais das bolsas Handred são feitas a partir de sobras de tecidos, que fatalmente seriam descartadas. E para além, a marca ainda oferece um serviço de sob medida, permitindo ajustes e personalizações para garantir maior durabilidade às peças.
Para André Namitala, a moda não é apenas uma questão de estilo, mas um instrumento de comunicação e representação. A Handred segue essa filosofia ao criar roupas que não apenas vestem, mas contam histórias e propõem novas formas de enxergar o vestuário.
Não posso ter vergonha do que faço em relação a preços. Não trabalho com materiais baratos, a estrutura não é barata de manter no Brasil. Você precisa sambar muito para ter um preço possível que mantenha tudo em cima. Você quer ser democrático ou fazer uma roupa boa?
Suporte para estruturas futuras
O fundador reconhece que uma costureira é uma artista tanto quanto o estilista. Mas em entrevistas alerta sobre a urgência de olhar para o cenário da moda brasileira, já que esse outro setor é solitário e não possui apoio do governo.
Tudo hoje é visto como subemprego, é uma produção que não tem investimento. Daqui a pouco não há mais costureiras. A Duda Freiberger, estilista e criadora de conteúdo recentemente alertou sobre essa situação em um de seus vídeos.
Na Handred, eles se preocupam em legalizar freelancers, abrindo MEI para elas. Quando resolvem contratar pessoas para formar aqui dentro, é um processo interno. A modelista-chefe entrou no ateliê como auxiliar de costura. É lindo de ver, mas demorou literalmente dez anos, segundo André, o esforço tem que ser mais abrangente e coletivo.
Discrição
A marca também procura não gerar muito buzz sobre o que fazem, principalmente por cuidado à imagem da marca. “Abri a marca com 19 anos, então resolvi fazer a coisa mais limpa do mundo para não me arrepender de nada no futuro. Com as palavras também é assim. Movimentamos um setor, temos essa questão de ser uma roupa para vários corpos.
Assim como não falo sobre o artista na fila A do desfile, também não comento sobre a cliente sob medida que teve o peito amputado por conta do câncer de mama. Tenho uma certa discrição com a marca pois quero proteger quem compra. Elas não são materiais para ficar mais popular ou sair no jornal”, conta o estilista para a L’Officiel.


Em frente
Com mais de uma década de história, a Handred segue consolidando sua presença no mercado brasileiro, sem abrir mão de seus princípios. Para André, o crescimento precisa ser estruturado e coerente, mantendo o controle sobre a produção e a identidade da marca.
Seu objetivo é expandir de forma orgânica, mantendo a qualidade e a conexão com os clientes.
"Nosso crescimento será sempre em direção a um lugar de respeito à roupa", afirma o estilista.
A participação na SPFW N59 reforça a posição da Handred como um dos nomes mais relevantes da moda brasileira contemporânea. E, para aqueles que buscam uma moda mais consciente, atemporal e conectada com a identidade brasileira, a Handred segue sendo uma referência.